terça-feira, 18 de julho de 2017

Golpe Final * Wladimir Safatle - SP

Golpe Final
 - por Vladimir Safatle. 

 *É professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo)

Aqueles que, nas últimas décadas, acreditaram que o caminho do Brasil em direção a transformações sociais passava necessariamente pelo gradualismo deveriam meditar profundamente nesta semana de julho.

Não foram poucos os que louvaram as virtudes de um reformismo fraco porém seguro que vimos desde o início deste século, capaz de paulatinamente avançar em conquistas sociais e melhoria das condições de vida dos mais vulneráveis, enquanto evitava maiores conflitos políticos graças a estratégias conciliatórias.

"Há de se respeitar a correlação de forças", era o que se dizia. Para alguns, isso parecia sabedoria de quem lia "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, antes de reuniões com José Sarney e a lama do PMDB. Eu pediria, então, que meditássemos a respeito do resultado final de tal sabedoria.

Pois o verdadeiro resultado dessa estratégia está evidente hoje. Nunca o Brasil viu tamanha regressão social e convite à espoliação do mundo do trabalho.

O salto de modernização que nos propõem hoje tem requintes de sadismo. Ou, que nome daríamos para a permissão de mulheres gestantes trabalharem em ambientes insalubres e de que trabalhadores "tenham o direito" de negociar seu horário de almoço?

Tudo isso foi feito ignorando solenemente o desejo explícito da ampla maioria da população. Ignorância impulsionada pelo papel nefasto que tiveram setores majoritários da imprensa ao dar visões completamente monolíticas e unilaterais das discussões envolvendo tal debate.

Mas isso podia ser feito porque não há mais atores políticos capazes de encarnar a insatisfação e a revolta. Hoje, o governo pode atirar contra a população nas ruas em dias de manifestação e sair impune porque não há ator político para incorporar rupturas efetivas. Eles se esgotaram nos escaninhos de tal modelo de gestão social brasileiro.

A reforma trabalhista apenas demonstra que o gradualismo pariu um monstro. Os mesmos que votaram para mandar a classe trabalhadora aos porões de fábricas inglesas do século 19 estavam lá nas últimas coalizões dos governos brasileiros, sendo ministros e negociadores parlamentares.

Ou seja, a política conciliatória os alimentou e os preservou, até que eles se sentissem fortes o suficiente para assumirem a cena principal do poder. "Mas era necessário preservar a governabilidade", era o que diziam. Sim, este é o verdadeiro resultado da "governabilidade" do ingovernável, da adaptação ao pior.

Como se fosse apenas um acaso, no dia seguinte à aprovação da reforma trabalhista o Brasil viu o artífice deste reformismo conciliatório, Luiz Inácio Lula da Silva, ser condenado a nove anos de prisão por corrupção. Esse era um roteiro já escrito de véspera.

De toda forma, há de se admirar mais um resultado desta política conciliatória –a adaptação ao modelo de corrupção funcional do sistema brasileiro e, consequentemente, a fragilização completa de figuras um dia associadas, por setores majoritários da população, a alguma forma de esperança de modernização social.

O Brasil agora se digladia entre os que se indignam com tal sentença e os que a aplaudem com lágrimas de emoção. Engraçado é ver outros políticos que também mereciam condenação pregarem agora moralidade.

No entanto, o problema é que só existirá essa sentença, nada mais. Este é o capítulo final. Da mesma forma que o capítulo final do julgamento do mensalão foi a prisão de José Dirceu. Perguntem o que aconteceu com o idealizador do mensalão, o ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo.

Ou perguntem sobre o que acontecerá a outro presidente do mesmo partido, aquele senhor que foi pego em gravação telefônica dizendo que deveria procurar um interceptador para propina que pudesse ser assassinado.

Ou o ex-presidente FHC, citado nos mesmos escândalos que agora condenam Lula. Muitos reclamam da parcialidade da Justiça brasileira: há algo de comédia nessa reclamação.

Que esta semana seja um sinal claro de que uma forma de fazer política no Brasil se esgotou, seus fracassos são evidentes, suas fraquezas também. Continuar no mesmo lugar é apenas uma forma autoinduzida de suicídio.


segunda-feira, 17 de julho de 2017

Condenar Sem Provas É Crime * Alex Solnik - SP

Eleição Sem Lula É Fraude
Fora golpistas,
Lula presidente
!!!
 "Sócrates  foi  condenado  e assassinado,  mas  a  história condenou  quem  o  assassinou,  seu algoz  e  vilão,  e  não  a  ele,  porque a  sua  causa  era  justa. E  o  nome  do  seu  algoz  foi apagado  da  memória  do  mundo, enquanto  o  seu  atravessou séculos  e  permanece  vivo, iluminando  o  pensamento universal. Tiradentes  foi  condenado,  mas  a história  condenou  quem  o condenou  e  não  a  ele,  porque  a sua  causa  era  justa  e  os  que  o condenaram  eram  os  vilões  e algozes. Anúncio E  seus  nomes  foram  apagados  dos  livros  de  história  do  Brasil,  enquanto  ele continua  sendo  sinônimo  de  independência,  generosidade  e  bravura. Garcia  Lorca  foi  condenado  e  fuzilado  pelos  franquistas,  mas  quem  o condenou  jaz  na  vala  comum  dos  infames,  enquanto  suas  palavras  inspiram os  sentimentos  mais  nobres  através  dos  tempos. Nelson  Mandela  foi  condenado  e  preso,  mas  a  história  condenou  quem  o prendeu,  quem  o  humilhou,  quem  o  insultou. Ele  é  um  símbolo  imorredouro,  um  patrimônio  universal. E  o  nome  de  quem  o  prendeu  ninguém  conhece. Lula  foi  condenado,  mas  a  história  vai  condenar  quem  o  condenou,  não  a ele. Porque  foi  condenado  sem  provas.  E  as  suas  causas  sempre  foram  justas. Ele  tem  um  pouco  de  Sócrates,  um  pouco  de  Tiradentes,  de  Garcia  Lora,  um pouco  de  Mandela  e  será  para  sempre  sinônimo  de  presidente  que  promoveu e  estimulou  a  diminuição  do  desequilíbrio  social  que  vigora  no  país  desde sempre. E  o  nome  de  quem  o  condenou  será  apagado  dos  livros  de  história. Daqui  a  50  anos  ninguém  vai  acreditar  que  o  melhor  presidente  do  Brasil desde  a  redemocratização  e  líder  das  pesquisas  da  próxima  eleição presidencial  recebeu  sentença  de  9  anos  de  cadeia  porque  teria  recebido  um apartamento  em  troca  de  uma  suposta  operação  ilícita  com  a  Petrobrás, com  base  em  suposições  e  delações  inconclusas  e  nenhuma  prova  material, nenhum  documento,  nenhuma  escritura,  nenhuma  gravação  secreta, nenhuma  conta  no  exterior. Mas  todos  vão  acreditar  que  quem  o  condenou  é  que  deveria  ser  condenado. E  será. A  História  o  condenará." 

ALEX  SOLNIK Alex  Solnik  é  jornalista.  Já  atuou  em  publicações  como  Jornal  da  Tarde,  Istoé, Senhor,  Careta,  Interview  e  Manchete.  É  autor  de  treze  livros,  dentre  os quais  "Porque  não  deu  certo",  "O  Cofre  do  Adhemar",  "A  guerra  do  apagão"  e "O  domador  de  sonhos". 

Postado por Cláudio, um dos órfãos do Bento Ribeiro (o colégio)

sábado, 1 de julho de 2017

Educação Para a Libertação * Dep Federal Paulo Pimenta - PT/RS

 O fortalecimento da democracia passa pela derrota dos valores capitalistas e das forças ultraconservadoras*



A democracia fundamentada em pressupostos de liberdade, igualdade, fraternidade, concebida como valorização da diversidade, da solidariedade e da inclusão, é antagônica aos valores capitalistas que sustentam a competividade, o individualismo, o altruísmo, o vale tudo do mercado. Existe aí uma incompatibilidade. Um olhar para a história da dominação capitalista nos remete aos grandes conflitos mundiais, às ditaduras militares, à exploração do trabalho, à escravidão, aos genocídios, à miséria, à devastação ambiental e às diversas formas de opressão. Um olhar para a luta por democracia, nos remete às resistências anticoloniais e libertárias, às revoltas populares, às lutas sindicais, aos movimentos sociais da terra, indígenas, antirracistas, das mulheres, LGBT, das juventudes, socioambientais.



O processo de democratização e conquista de direitos resultou das diferentes lutas políticas, socais, sindicais. Nos Brasil, nos finas da ditadura militar, a unidade dos campos de esquerda e liberais progressistas em defesa de liberdades políticas produziu um modelo conciliatório de redemocratização das intuições do Estado que permitiu espaços controlados de acesso aos bens públicos e à participação social, sem alterar a disputa que confronta, de um lado, o enfrentamento às desigualdades e, de outros, a sustentação desse modelo. Essa equação da democracia sob o controle dos setores que detém o poder político e econômico manteve um equilíbrio que se rompe com a vitória do campo democrático e popular, abrindo caminho para avançar no projeto de sociedade mais democrática e inclusiva.



A inclusão social gerou desconforto aos acostumados com o conforto. O investimento em políticas sociais, alvo da disputa de classe, foi combatida pelos sistemas de dominação, que reforçaram o ataque aos sujeitos sociais favorecidos por programas do governo democrático e popular. Especialmente as populações mais pobres, adolescentes e jovens negros e negras, indígenas, quilombolas, passaram a figurar como vagabundos que sobrecarregavam o poder público, reforçando o racismo, o machismo e toda forma de preconceito e discriminação.



A repulsa à inclusão recaiu sobre a política educacional que constitui um dos pilares do projeto de inclusão iniciado em 2003, no governo Lula, e interrompido em meados de 2016, com o golpe parlamentar e jurídico que derrubou a presidenta Dilma Rousseff. A educação como direito de todos e todas foi um objetivo aparentemente consensual até o momento em que se tornou efetiva a política de expansão e democratização do acesso aos diferentes níveis de ensino. Caíram por terra os ideais abstratos de democracia quando a gestão da educação definiu investimentos para promoção de condições de acesso e qualidade, contemplando grupos sociais historicamente excluídos.



A política educacional teve alguns aspectos fundamentais. Na educação básica, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb reorientou a visão de foco no ensino fundamental para compreender a educação básica de forma integrada, da educação infantil ao ensino médio, contemplando a educação integral e a educação especial na perspectiva inclusiva. Essa política incidiu de forma sistêmica para promover as condições de acesso aos mais elevados níveis de ensino, fortalecendo a escola pública e, portanto, contrariou a lógica da privatização da educação presente no ideário neoliberal. O caminho de acesso à educação superior via Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, a expansão substancial das redes públicas educação profissional e tecnológica e das instituições de educação superior, bem como o amplo financiamento da oferta de vagas por meio do Programa Universidade para Todos - Prouni, revolucionaram o acesso das camadas mais pobres, dos negros e negras ao nível superior, incidindo sobre o padrão desigual da meritocracia.



A política de educação não é um caso único, mas é reveladora dos interesses que se chocam com mudanças que confrontam a desigualdade social e que se reflete nas matrículas na educação superior. Quando a política pública passou de fato a incidir na garantia de condições para o pleno acesso à educação, expôs a função estruturante do caráter de classe, gênero, raça e de segregação que persiste na educação brasileira, assegurando o acesso às carreiras profissionais de maior prestígio e remuneração, à espaços de direção e poder políticos como patrimônio de grupos sociais historicamente privilegiados. Em oposição à democratização do acesso, professores, estudantes e outros setores vinculados às corporações profissionais protagonizaram a mais face reacionária de uma sociedade que se viu ameaçada com o ingresso de estudantes com outras experiências, conhecimentos, valores e saberes. A reação desses setores foi imediata, discriminatória e violenta.



Com a complacência da grande mídia, o ataque a estudantes cotistas, jovens feministas, médicos cubanos, imigrantes, população LGBT, pessoas com deficiência, estimula a propagação do preconceito que se alastra por meio das redes sociais e abre uma batalha sem limites para o ódio que transborda na sociedade.  Esse ataque sem medo se refletiu em consultas médicas, hospitais, tribunais, salas de aula, estabelecimentos comerciais, onde se reproduzem manifestações racistas, misóginas, lgbtfóbicos, discriminatórias e excludentes. Não há dúvidas que a violência contra as mulheres, o estupro, o estupro coletivo, foi estimulado como punição às mulheres que conquistaram a lei Maria da Penha e a lei do feminicídio.



O golpe de 2016 retroagiu em relação às políticas sociais. A ofensiva da direita que tomou o poder no País e que avança em toda América Latina não apenas defende as desigualdades como justas e necessárias, como impõe um aprofundamento dessas desigualdades com a consecução da agenda neoliberal.  Trata-se de uma ação demolidora do poder oligárquico que se apodera de tudo e, sem qualquer concessão, impõe sacrifícios aos trabalhadores e trabalhadoras que estão perdendo todos seus direitos, como férias, licença gestante, carteira assinada, décimo terceiro, jornada de trabalho de 8 horas diárias e, ainda, estão perdendo seu poder de negociar.



Nessa lógica, que também retirou os recursos das políticas de saúde, educação e assistência, para justificar a ausência do Estado, especialistas de propaganda produziram discursos sobre o que interessa ao país, que marginalizam adolescentes e jovens, especialmente negros e negras, excluídos e condenados ao encarceramento e ao extermínio nas cidades brasileiras.  



A conjuntura política retrata o governo corrupto e ilegítimo que não tem qualquer compromisso social e atropela sem medo qualquer norma ou conduta que atrapalhe seu objetivo explícito de favorecer os interesses do grande capital, com concessões aos bancos e aos latifundiários. Embora não obtenha índices mínimos de aprovação, esse governo representa as velhas oligarquias que dominam o país e está protegido pelo poder da mídia que não pauta as questões sociais e naturaliza a exclusão extrema de amplas parcelas da população relegadas à miséria e abandono absolutos. Boaventura Souza Santos traduziu bem esse fenômeno em seu conceito de “dronização do poder”, ou seja, quando a desigualdade é tão grande que quem tem mais poder deixa de ter medo de quem tem menos poder e o governo não tem medo de represálias e de ser atingido. Ele inclui nesse conceito o poder midiático, exercido sem medo da resistência, que passa por cima da democracia para atingir o que quer.



Por isso, agora a exigência é fortalecer a democracia, uma democracia “intensa”, participativa, que imponha derrotas às políticas neoliberais que restringem os direitos e estão em franca conciliação com a extrema-direita. Essa conjuntura não é favorável, cada vez mais as forças ultraconservadoras se juntam para ofuscar e apagar a democracia, como se observa com os projetos chamados de “escola sem partido” que tentam impor um currículo dito apartidário para eliminar a perspectiva do pensamento crítico nas escolas e universidades brasileiras, instituindo censura, denúncia e punição para gestores e educadores que abordem questões políticas, religiosas, gênero e sexualidade.



Nesse contexto avesso aos valores democráticos, devemos construir a unidade das esquerdas e promover a formação de uma frente ampla de defesa da democracia que inclua a pauta anticapitalista, a luta contra o racismo, o machismo e todas as formas de colonialismo que se reforçam no Brasil. Esse esforço conjunto para promover a mobilização não se restringe aos objetivos das eleições diretas ou da disputa em 2018, deve ter como prioridade a participação dos movimentos, o fortalecimento do diálogo e das relações com as bases sociais que se unem para lutar contra as políticas neoliberais. 



*Paulo Pimenta é jornalista e deputado federal pelo PT-RS - paulopimenta.com.br